sábado, setembro 30, 2006

UMA DAS FACES DO TRÁGICO

Na calmaria do abraço colado,
Em uma tarde nublada,
A aparente paz amorosa
Que só aponta angústia
Através de olhar o outro dormindo,
Tão ele... tão outro e inacessível.
Vontade de chorar em urros.
Chora de amor bom,
Chorar porque a felicidade também fere,
Chorar porque se sabe finita
E dona de um turbilhão de sentimentos inesgotáveis.

Angélica Castilho

2004.
INOMINÁVEL

Foi num lapso do relógio
que senti a vida
fluindo em gozo
desfalecimento
contentamento.

Foi num agora
que senti você
se infiltrando vivo em mim.

Retornei estranha,
embora tudo estivesse no lugar:
eu, a febre, a chuva pela janela,
o seu sorriso.

Angélica Castilho
2004
IMPREVISÍVEL

Você!

Angélica Castilho2004.
OÁSIS

O andar preciso,
presença imposta.

O corpo extático,
sorriso,
palavras entrecortadas.

E a visão que se tem: bênção!
O outro é conforto,
campo de aconchego,
cama onde se repousa alma cansada.

Angélica Castilho
2004.
FORÇA SEMPRE!

Fé em Deus
Com São Jorge galopando veloz
E Iemanjá agitando todos os mares,
Mudando marés,
Fazendo o vento soprar
E nos levar!
Elevar,
Pôr no ar e na terra
Os sonhos de terras distantes em nós mesmas
Onde menina e onça são irmãs gêmeas,
Brincam de bonecas
E chamam pela mãe no meio da noite
Com medo do barulho do vento na janela.
A Mãe sempre acode lá e cá...

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2006
MARGARIDA!

Estou feliz, feliz!
Acabaram as férias,
Mas junto com elas o trabalho!
Sou quase um ser liberto e incerto
Pelas madrugadas da Lapa.
Bebendo aqui e ali,
Com sorriso solto, folgado
De quem é dono de si
E levanta o nariz,
E cheira a noite
E canta pelo simples fato
De ir e vir sem saber por que.
É quase assim que ando a sonhar
Nessas noites últimas tomando o bonde
E vendo de Santa que a cidade é linda!
Linda e brilha mais com o meu olhar...

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2006.
MINHA CONDIÇÃO

Quanto ao namoro...
acabou... É a vida!
Estou hibernando,
me refazendo tal qual lagarta
para uma primavera sem data de chegada,
talvez em outra galáxia,
em planos outros menos humanos
e, portanto, mais sensíveis...
Estou me refazendo meio fênix,
meio onça, meio boto cor-de-rosa.

Angélica CastilhoRio de Janeiro, 14 de junho de 2006.
AMIGO

Vale a pena tentar tudo
quando a alma é grandíssima,
do tamanho das assas de qualquer passarinho.
Afinal o que se mede é a ousadia do ato
e a satisfação de fazer
o que se acredita
sempre, sempre.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 09 de janeiro de 2006.
DOIS PERDIDOS NA NOITE FRIA

Não há solução! E o melhor é o movimento de busca. Mas buscar o quê, se todo o retorno ao passado é vão. O efeito curativo é de momentânea renovação da alma.
Ele lembrava do casamento há mais de uma década atrás. E de tudo mais relacionado à adolescência. Ela lembrava que foge de casamentos a la séc. XVI sujeitos a index e fogueiras. Ele se confessa um possessivo. Ela uma boêmia. E Deus era tema-eixo dos desabafos. O reconhecimento de um pelo outro como o amigo ouvinte para os sonhos e as burradas da vida. E são tantos... tantas as idas e tantos os vôos de menina. E são tantos os momentos de tédio e alegria do rapaz.
Um em frente ao outro a confessarem seus fracassos – esqueceram completamente das vitórias. Um com a vida diferente – oposta!? – a do outro. Escolhas de vida: água, óleo e vinho. Um queria um pouquinho da vida alheia, embora suas naturezas fossem determinantemente contra os geradores de felicidade que cada um possui e criou para si.
Foi feita uma significante revista dos erros sem direito a erratas nem a choro – discurso seco de adultos calejados. Também não havia música, só o som de vozes e ruídos produzidos por talheres, copos. Além da presença dos homens, só o vento levando a garoa finíssima, insistente como a memória. A menina que corria pela rua e ficava na janela mexendo com o menino que passava não existe mais... Os adolescentes do Garagem se perderam também. Dois estranhos de si mesmos e íntimos das angústias um do outro, sem possibilidades de retorno e com dúvidas.
Muito ficou engasgado por não haver palavras que comunicassem o gosto amargo do não-arrependimento pelas escolhas feitas em cima dos mais abstratos pensamentos e dos mais concretos sentimentos.
Despediram-se:
- Boa viagem!
- Obrigado.
Foram para suas casas e dormiram agradecidos pela cumplicidade sem cobranças, sem ironias, sem conselhos-clichês, sem necessidade de continuidade de confissões. Afinal, não há desejo de recomeços. Cada um é sua própria solução...

Angélica de Oliveira Castilho
Rio de Janeiro, 13 de maio de 2006.
VARIAÇÕES DA MARÉ

Sal-
gado
o teu
o
l
h
ar!
Onde era só fantasia
Onde era só prazer
Onde éramos a sós.


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 06 de fevereiro de 1998.
APARIÇÃO

Fenecer
é um morrer bonito...

Feneço no clarão do teu olhar
que poderia chegar no teu corpo assustado
apressado
suado
numa tarde de verão.

Feneço no toque
fagueiro, quase proibido das mãos casuais.

Feneço quando a barba roça a palma da mão
e o corpo responde com um calor cortante.

Feneço no tom de voz mais grave
em afirmativas sintéticas do absoluto de minha vida.

Feneço na sofreguidão das lembranças
que tremem os músculos
que atordoam as idéias
que turvam as palavras (para que palavras?)

A quietude se faz dentro de mim,
ostra sem pérola
lagarta com asas
outro lado da lua.

Não sei ainda o que (re)nascerá de mim.

Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 04 de fevereiro de 1998.

segunda-feira, setembro 18, 2006

O OUTRO: EU...

Um duplo:
espelho
que não se prende —
a imagem é figura e a alma intocável.

Um espelho
é lugar em que não se entra
é impenetravelmente total
cabal
completo
eu, você
nós cegos

Mas o que assusta e consola
é ser igual ao diferente
e continuar outro, um muito, eu.


Angélica Castilho


Miguel Pereira, 30.01.1998.

CONSIDERAÇÕES MATERNAIS

O amor vai
d
i
m
i
n
u
indo
vira um grão de areia.
E se cai no chão
a gente não acha.


Angélica Castilho
Rio de Janeiro, 17.01.1998.

SUSPENSÃO

Se acabar de
gritar
s e c a m e n t e
dias e noites
e
intervalos para o café.

Estar
com nó no peito
não é um novo estilo de moda.

Estar
com mal-de-semipaixão-fim-de-amor (e vice-versa)
não é a beira da alegria.

Estar assim
é começo do fim
é comprar as cartas certas e ter medo de jogá-las
é competir com seu(s) outro(o) eu(s) e empatar sempre, sempre
é sorrir nervosamente quando se chora
é consumir o espírito na incerteza/certeza das palavras, das elipses
é fugir da vida, da morte porque só o nada conforta
é ver-se fragilmente forte porque sabe o que fazer e não faz.

Angélica Castilho


Rio de Janeiro, 09.01.1998.

DESEJO

Atravessar quase a nado
as águas do rio de janeiro
abrindo o verão
para ver-te
tocar-te
ter-te (?)
... e morrer na praia.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 9.01.1998.

UMA POSSIBILIDADE

Nova Iorque
“Matchopítiu”
Maiami.
Martine blanc
avec
cerise
without
ice versus chope.
Papo-cabeça
fazer cabeça
Inhasã.
Dinheiro: ter ou não ter
seu ou dos outros
eis as questões.
Papo-cabeça
Óbvio ululante
vida a dois
geometria sentimental...
Jorge no bip
no telefone
Valéria, Bete & Cia.
Pizza de pizza
e time to go.
Voltas pela Pç.
pressa
MAS que se foda o mundo

eu não me chamo Raimundo
e se chamasse seria rima mas não seria conclusão!
(Felipe andando de bicicleta competindo com o rio Maracanã)
Papo-três-horas, na verdade bem mais,
La mer est grande,
l’amour (...!? .) aussi,
e cabe nos sorrisos
fofocas
massagens ocidentais
ais interiores — alucinadores anímicos
Enquanto o tempo passa tão veloz quando as travessias pelos túneis da linha amarela.

Angélica Castilho


Rio de Janeiro, 18 .01.1998.

AUTO-RETRATO

Só, tão só eu fico
Só, sem ninguém
Triste na minha
Sozinha, solitária.

Só, sem amigos
Sem ninguém ao meu lado
Só, com minha tristeza
Sem amigos...

Já que sou sozinha
Queria ser uma ave
Voar, ser livre.

Mas me conformo
Em ser só,
Sem você
Só comigo.

Angélica Castilho

Rio de Janeiro, 06.10.1983

COMPROMISSOS PESSOAIS

Diogo chega, dá dois beijinhos no rosto de Camila. Ela já esperava o recuo, afinal houve uma certa resistência em encontrá-la. No entanto, precisava vê-lo, olhar bem nos olhos, depois da queda de quarta-feira. Ele decide tomar café e começam a andar pelo shopping. Não aceitam o cartão dele. Não quer que ela pague. Desiste do café. Mais uma arbitrariedade: ele paga a conta, e ela, o estacionamento. Camila tenta debater, mas é inútil, então, liga o “foda-se” e deixa pra lá. Pensa em sugerir uma caminhada pela Praia de Icaraí. Final de tarde e os dois enfiados dentro de um bloco de concreto!
Antes mesmo de sentarem:
- Acho que vai rolar os States... (com sorriso, sem olhar nos olhos dela)
- É mesmo. E você quer?
- Quero. Não tem nada que me prenda a Niterói.
- Mas você disse que não te atraia a idéia, quando comentou esta possibilidade no seu trabalho.
- É... falei.
Nossa! Será que para não se envolver tem que ir para tão longe. A cidade é grande o bastante para não nos encontrarmos mais. Por que não vai para Sepetiba? Isto é quase lisonjeador! Ele não tem algo mais original para assinalar que a qualquer momento sairá correndo de perto de mim. O pior é que Camila tem certeza do potencial de Diogo para amar. Ela possui aquela loucura dos que são intuitivos que diz “é ele”, embora ela saiba que as pessoas encontram muitos “eles” pelo caminho.
De repente, ela soltou uma bomba:
- Você é instável.
- Nossa! Que horrível!
- Tá, inconstante.
- Pior! Reticente, vai.
- Reticente é muito leve.
- Eu gosto de eufemismos.
- Já percebi...
- Mas, quando eu me decido por algo, vou até o final.
A voz veio tão fraca que nem ele mesmo deve ter se convencido do que disse. Ela fez uma cara de “é mesmo?” E deixou pra lá.
Falaram de tudo um pouco. Da certeza – ela anda cheia das certezas ultimamente – de que ela precisa trabalhar em outro lugar; da reunião com a editora; do projeto da revista. Ela falou do Augusto, sem falar no nome Augusto, do dilaceramento, das intuições que estão se fortificando e a arrebatando doloroso. E deixou escapar que foi noiva. Diogo saltou num misto de surpresa e de alegria de quem recebe um presente em forma de dados. Ele se manifestou com opiniões em todos os assuntos. E, do topo do seu ceticismo, disse que a jovem chegou a um estágio que ele quer chegar: de canalizar o pensamento tão intensamente a ponto de conseguir o que deseja, por isto as coisas acontecem.
Camila, então, do topo do seu misticismo, do topo de sua religiosidade, no sentido latino da palavra, pensava nas coisas que muito quis e não realizou, porque também sabe que o mundo acontece independente de sua vontade, tem noção de sua humilde condição de apenas ser humana. O que ele não entendeu, ou não sabe, é que ela apenas sente que as coisas virão, que as coisas são sem que ninguém as controle.
Ele diz que o homem é capaz de viver sozinho. Trava-se outro diálogo em que entra Baudelaire e seu conceito de flaneur, Benjamim e a idéia de aura, Marcuse – mas este ela não cita. Ela falou de Roland Barthes, para rebater a massagem tailandesa... Distinguiu o erótico do pornográfico. Enfim, falou do poder que existe que mobiliza determinadas pessoas e não outras. E o discurso era tão seguro, tão justo, não pelas citações, mas por já haver conhecido a felicidade e, sobretudo, descoberto na quarta-feira que ela pode ser imensa, apesar de dolorosa. Ela não tem mais medo de perder as pessoas que ama. Sabe que a felicidade está sempre do outro lado da ponte. Não importa em que lado você esteja, é preciso atravessar, tomá-la para si e retornar em paz.
Fatigados dos debates, ambos vão cedendo à carne. No entanto, vácuos deixados pelos atos de carinho ainda vão sendo ocupados por diálogos:
- Você está mesmo muito perturbada.
- Está me assustando um pouco.
- É a força do seu pensamento.
- Vai além do que eu quero.
- Ah, vai... Tudo é dirigido por você.
Ela começa a brincar. Faz proposta de ligar na sexta, monta um diálogo sacana, aludindo à massagem tailandesa, a quimonos. Ele recua discretamente. Impossível não comentar.
- Nossa! Você é muito inteligente! Coisa de aplaudir. (bate palmas) Malandro...
- A segunda a palavra, qual foi?
- Malandro?
- Igual ao seu colega de trabalho?
- Não, ele é mau-caráter. E você não.
- Você não me conhece. Ah!! Eu não disse isto.
- Você também não me conhece. Taí, tenho certeza que você não é, pode ser muita coisa, mas mau-caráter não.
Silêncio.
Caminhando pela praia, sem sol, final de verão, rumores, carros passando, a visão da Baia. Solidão acompanhada... Camila sabe que ele vai fugir e, pior do que isto, ela facilitar, porque tem um compromisso com a felicidade.

Angélica Castilho


Rio de Janeiro, 17.03.2003
Adaptado em 11.0.2003

domingo, setembro 17, 2006

ADEJARES

Ando em solidão rodrigueana quase integral
Sem sextas para gargalhar a vida!
Beber os sonhos amigos e próprios,
Em um constante negócio de emoções,
Tufões de alegrias:
Alegria! Alegria! Alegria!
Vou me dar solidão saudável de presente
E daqui ao tempo necessário,
que só o tempo sabe quanto tempo se faz tempo para iniciar um novo tempo,
Vou me perfumar, enfeitar, subir em um tamanco
E me encaminhar para a Portela ou qualquer lugar que valha...
Rodopiar sóbria em noites por aí.

Angélica Castilho


Rio de Janeiro, 23.05.2006.